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janeiro 22nd, 2014

BRASIL ENSANGUENTADO

Maerle Ferreira Lima Análises 22 de janeiro de 2014

             BRASIL ENSANGUENTADO

 

POR MAERLE FERREIRALIMA

 

“Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não transformar a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”

PAULO FREIRE

 

 

No dia 12 de novembro de 2013, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), lançou, na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, o Relatório:  “Desenvolvimento Humano Regional 2013-2014 – Segurança Cidadã com Rosto Humano: Diagnóstico e Propostas para a América Latina”, recomendando políticas públicas mais eficientes em todo o continente, com vistas a melhorar a qualidade de vida e diminuir os índices alarmantes de criminalidade e  violência.

De acordo com o documento, a insegurança é citada como  um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento econômico e social da área e um desafio que precisa ser encarado por todos os países da América Latina. Na avaliação da ONU, a região continua a ser a mais desigual e a mais violenta do mundo. Os dados mostrados indicam mais de 100 mil assassinatos a cada ano. Entre 2000 e 2010, foram registrados mais de 1 milhão de homicídios, um genocídio de proporções assustadoras.

Em 11 dos 18 países analisados pelo Relatório, a ocorrência de homicídios era superior a 10 para cada 100 mil habitantes, número considerado epidêmico pelos especialistas que formularam o estudo. Além disso, em todos os países da região, a segurança estava deteriorada e a quantidade de roubos havia triplicado entre 1985 e 2010.

O Relatório foi elaborado a partir de seis pontos que, segundo a ONU, impactam negativamente os países latino-americanos: criminalidade de rua; violência e criminalidade exercida contra e pelos jovens; violência de gênero; corrupção; violência por agentes do Estado; e o crime organizado. Segundo o documento, os atos de violência respondem, pelo menos, por três dimensões do desenvolvimento: a pessoa, a convivência social e as instituições democráticas.

Em todo o continente, os jovens, especialmente os homens, são os principais responsáveis pelos atos de violência, pelos crimes e pelos homicídios. O Brasil aparece vergonhosamente no Relatório como um dos países mais violentos da América Latina.

A base de dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), referente a 2011, revela essa trágica escalada da banalização da vida do jovem. O primeiro lugar ficou com El Salvador, com 92,3 homicídios de jovens para cada 100 mil habitantes. Em seguida vieram: Honduras, 86,5; Colômbia, 73,4; Venezuela, 64,2; Guatemala, 55,4 e Brasil, 51,6 assassinatos de jovens para cada 100 mil habitantes.

Há cerca de 60 anos, as principais causas de morte da juventude brasileira eram as epidemias e as doenças infecciosas. Porém, com as transformações econômicas e sociais em curso e com o processo acelerado de urbanização do país, a curva se inverteu e as principais causas de morte da juventude brasileira passaram a ser as chamadas “causas externas”, notadamente, os homicídios e os acidentes de trânsito.

Em 2011, por exemplo, dos 46 mil 920 óbitos juvenis, registrados nos arquivos do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde (MS), 34 mil 336 aconteceram por causas externas. Dessa forma, 73,2% dos jovens brasileiros encontraram a morte  vitimados por essas causas.

Inegavelmente, a mortalidade violenta no Brasil impressiona e coloca o país, como já vimos, numa posição humilhante perante todas as nações civilizadas do mundo. Infelizmente, não podemos apagar o passado. Tampouco, podemos esconder a existência de milhões de sepulturas que receberam os corpos dos que tiveram suas vidas bruscamente interrompidas pela violência.

De acordo com  o “Mapa da Violência 2013: “Homicídios e Juventude no Brasil”, organizado pelo sociólogo, Julio Jacobo Waiselfisz e patrocinado pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (CEBELA) e pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), entre 1980 e 2011, aconteceram no Brasil, 1 milhão 145 mil 908 homicídios; 995 mil 284 mortes por acidentes de trânsito e 205 mil 890 suicídios. As três causas somadas, dão um total de 2 milhões 347 mil e 82 pessoas, a maioria jovens, que tiveram suas vidas interrompidas pela escalada da violência. Todavia, é importante ressaltar que os dados são apenas aproximados. Dessa forma, os números dessa tragédia humana, certamente, são bem maiores.

Os dados do SIM e do Sistema de Vigilância em Saúde (SVS) citados no estudo, mostram que, entre 1980 e 2011, enquanto a taxa de mortalidade geral do país caiu 3,5%, as mortes por causas externas aumentaram 28,5%. Nesse comparativo, merecem relevância, como mostra o autor, os homicídios, que cresceram 132,1%; os suicídios, com elevação de 56,4% e os óbitos por acidente de transporte, que aumentaram 35,3%.

Em 1980, segundo a mesma fonte, 20 mil 365 pessoas morreram de acidentes de transporte em nosso país. Os homicídios vitimaram 13 mil 910 e os suicídios, 3 mil 896. A partir de 1990, os homicídios se tornaram a principal causa de morte entre as três citadas e não perdeu mais a posição. Em 2011, os homicídios ceifaram a vida  de 52 mil 198 pessoas; os acidentes de transporte mataram 44 mil 553 e os suicídios levaram a vida de 9 mil 852 indivíduos. Entre 1980 e 2011, os homicídios tiveram um crescimento de 275,3%; os suicídios, 152,9%; e os acidentes de transporte, 118,8%.

De acordo com o Mapa que está sendo analisado neste trabalho, entre os jovens, apenas 26,8% dos óbitos são atribuídos  a causas naturais. Entre os não jovens, o percentual é de 90,1%. Apenas 9,9% dos não jovens morrem de causas violentas. Entre os jovens, as causas violentas são responsáveis por 73,2% das mortes. Por outro lado, se na população não jovem, apenas 3,0% dos óbitos são causados por homicídio, entre os jovens, essa causa é responsável por 39,3%. Em alguns Estados que são citados no Relatório, Alagoas, Bahia, Paraíba, Rio Grande do Norte, Espírito Santo e Distrito Federal, mais da metade do total de mortes juvenis são provocadas por homicídio. Em 1980, 4 mil 327 jovens foram assassinados no Brasil. Em 2011, esse número subiu para 18 mil 436 mortes, o que significou no período, um acréscimo de 326,1%.

Os dados  sobre a violência contra a pessoa no Brasil são estarrecedores.  A divulgação, em 2007, do Relatório: “Peso Mundial da Violência Armada”, sob a responsabilidade do “Geneva Declaration Secretariat“, Genebra, Suíça, 2008, que levantou o total de mortos em 62 conflitos armados no mundo, entre 2004 e 2007, nos ajuda a chegar a essa conclusão.

Nos 62 conflitos analisados, morreram, entre 2004 e 2007, 208 mil 349 pessoas, segundo dados do “Global Burden of Armed Violence“. No Brasil, que não tem guerra civil declarada, movimentos de emancipação, enfrentamentos religiosos, raciais, étnicos, conflitos de fronteira ou atos terroristas, entre 2008 e 2011, os homicídios tiraram a vida de mais de 206 mil pessoas, quase o mesmo número das que foram mortas nos 62 conflitos espalhados pelo mundo.

Por outro lado, de acordo com a mesma fonte,  nos 12 maiores conflitos mundiais: Iraque; Sudão; Afeganistão; Colômbia; República Democrática do Congo; Siri Lanka; Índia; Somália; Nepal; Paquistão; Índia/Paquistão na Caxemira e Israel/Territórios Palestinos, morreram, entre 2004 e 2007, um total de 169 mil 574 pessoas, bem menos do que as mais de 206 mil que foram assassinadas no Brasil, entre 2008 e 2011.

O Brasil, com uma taxa de 27,4 homicídios por 100 mil habitantes, em 2010, superava os 12 países mais populosos do mundo. O que mais se aproximava do nosso país era o México, que tinha uma taxa de 22,1 homicídios por 100 mil habitantes. A China e a Índia, ambas com populações superiores a 1 bilhão de habitantes, apresentavam uma taxa de 1,0 e 3,4, respectivamente. Os Estados Unidos, com uma população de mais de 300 milhões de habitantes, tinham uma taxa de 5,3. A menor taxa entre as nações mais populosas foi apresentada pelo Japão, 0,3 homicídios por 100 mil habitantes.

Finalmente, comparando a nossa taxa de homicídio global, 27,4 para cada 100 mil habitantes, ficamos em posição humilhante. O Brasil tem uma taxa 274 vezes maior do que a de Hong Kong; 137 vezes maior do que a do Japão, Inglaterra, País de Gales e Marrocos; e 91 vezes maior do que a do Egito e da Sérvia.

No que se refere ao assassinato de jovens, nós temos uma taxa 547 vezes superior a de Hong Kong; 273 vezes superior às da Inglaterra e Japão e 137 vezes superior às da Alemanha e Áustria. Infelizmente, o Brasil é um país ensanguentado, o sexto maior matadouro de gente do mundo. NÃO TENHO DÚVIDA DE QUE O INFERNO É AQUI!

 

MAERLE FERREIRA LIMA

06 DE DEZEMBRO DE 2013  

 

 

O MUNDO SOMBRIO DAS FAVELAS

Maerle Ferreira Lima Análises 22 de janeiro de 2014

      O MUNDO SOMBRIO DAS FAVELAS

 

POR MERLE FERREIRA LIMA

 

 

O Brasil não consegue mesmo mudar o seu destino. A partir do final da Segunda Guerra Mundial, passou a ser conhecido como “Subdesenvolvido”. Nos anos 1960, virou “Terceiro Mundo”. Algum tempo depois, “País em Via de Desenvolvimento”. No início do processo de globalização, em 1980, recebeu o nome de “Emergente”.

Nos mais de cinco séculos de história, não tivemos a capacidade de sair do atraso econômico, social, industrial, educacional e científico. Nos habituamos a ele e às várias denominações criadas lá fora. Em suma, até hoje, nossa condição é de país periférico.

Apesar de tudo, o Governo gostou dos eufemismos, resolveu copiar a ideia por aqui e inventou uma nova designação para as moradas insalubres dos pobres e miseráveis. No começo eram chamadas de bairros africanos, cortiços, mocambos, palafitas, barracos, favelas, invasões, grotas, baixadas, assentamentos irregulares, comunidades, vilas, becos, ressacas, etc. A partir de 1991, graças a um “jeitinho sociológico” encontrado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ganharam uma alcunha aparentemente menos preconceituosa: “Aglomerados Subnormais”.  

Como se não bastasse tanto cinismo, recentemente, os seus milhões de habitantes carentes, que levam uma vida desgraçada e vegetam espremidos nesses imensos panarícios  urbanos, foram finalmente lembrados pelos políticos e pelos técnicos do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA). Passaram a ser classificados como a “nova classe média brasileira”. Com mais esse insulto, mesmo sem saber, os deserdados, cuja maioria tira o sustento da sobra social e do lixo das cidades,  subiram  na escala social por decreto do Governo.

Pelas contas do IBGE, cerca de 12 milhões de brasileiros sobrevivem nos chamados  “Aglomerados Subnormais”. O dado faz parte do estudo produzido por aquela instituição: “Aglomerados Subnormais: Informações Territoriais”, que envolveu todo o Brasil, divulgado no dia 6 de novembro passado.

Nesse vasto submundo carente de tudo, ocupado de maneira caótica por mais de 3 milhões de  habitações, todas irregulares e completamente fora de qualquer regra de planejamento urbano, a infraestrutura é extremamente deficiente. O esgoto corre a céu aberto; as ligações elétricas (gatos) são totalmente clandestinas; o barulho nas ruas é ensurdecedor; a sujeira e a falta de higiene são enormes; o tráfico de drogas faz parte da vida cotidiana; as intimidações, as agressões e os tiroteios  são acontecimentos corriqueiros e as taxas de homicídios, roubos e estupros são altíssimas.

Apenas 1,6% dos habitantes desses locais possuíam, em 2010, curso superior; 17,8% tinham automóvel; somente 20,2% tinham computador com acesso à internet;  27,8% não tinham carteira de trabalho assinada; 31,6% tinham rendimento domiciliar per capita de até meio-salário mínimo; apenas 0,9% tinham rendimento familiar per capita de mais de cinco salários-mínimos; e 53,9% possuíam apenas telefone celular pré pago.

Nesse estudo, o IBGE mostrou que 11 mil 149 barracos eram fincados em aterros sanitários, lixões e áreas contaminadas; 27 mil 478 se encontravam nas imediações de linhas de alta tensão; 4 mil 198 perto de oleodutos e gasodutos;  618 mil 955 foram erigidos em áreas perigosas, ou seja, em encostas, colinas, serras e outros. Além disso, do total de 3 milhões 224 mil 529 vivendas precárias do país, 72,6%, ou seja, 2 milhões 341 mil não tinham espaçamento entre si. Sem dúvida, tal ocupação anárquica do espaço urbano, além de constituir uma exposição permanente a vários tipos de perigos, tornou praticamente inviável a acessibilidade de máquinas, equipamentos de limpeza urbana e de socorros imediatos, sobretudo, aos locais mais  necessitados.

No território nacional, 47,5% dos “Aglomerados Subnormais” estão situados em áreas de risco. São Paulo e Rio de Janeiro concentram o maior número em áreas perigosas, de preservação ambiental e de proteção permanente.

Para o IBGE, em 2010, 77% das habitações informais do Brasil ficavam em Regiões Metropolitanas com mais de 2 milhões de pessoas. Desse percentual, o Instituto mostrou que 59,4%  estavam em 5 Regiões Metropolitanas: São Paulo, 18,9%; Rio de Janeiro, 14,9%; Belém, 9,9%; Salvador, 8,2% e Recife, 7,5%. Outros 13,7% acumulavam-se em outras 4 Regiões Metropolitanas: Belo Horizonte, 4,3%; Fortaleza, 3,8%; Grande São Luiz, 2,8% e Manaus, 2,8%. Dessa forma, segundo o IBGE, 73,1% das moradias precárias  estavam nessas nove capitais.

O Censo de 2010, identificou, em todo o país, 6 mil 329 “Aglomerados Subnormais”. As Regiões Metropolitanas de Belém, Rio de Janeiro e São Paulo, concentravam a maior proporção de habitantes residentes nesses tipos de habitação em relação ao total da população desses espaços urbanos. Em Belém, 54,5% do total dos habitantes viviam em assentamentos irregulares. No Rio de Janeiro, eram 22%. Em São Paulo, 11%.

Pelos dados do Censo de 2010, o IBGE estabeleceu o ranking das 10 maiores favelas do Brasil: Rocinha, Rio de Janeiro, 69 mil 161 habitantes; Sol Nascente, Distrito Federal, 56 mil 483 habitantes; Rio das Pedras, Rio de Janeiro, 54 mil 793 habitantes; Coroadinho, Maranhão, 53 mil 945 habitantes; Baixadas da Estrada Nova Jurunas, Pará,  53 mil 129 habitantes; Casa Amarela, Pernambuco, 53 mil 030 habitantes; Pirambú, Ceará, 42 mil 878 habitantes; Paraisópolis, São Paulo, 42 mil 826 habitantes; Cidade de Deus, Manaus, Amazonas, 42 mil 476 habitantes; Heliópolis, São Paulo, 41 mil 118 mil habitantes. Hoje, segundo o IBGE, a favela “Sol Nascente” passou a “Rocinha” e virou a maior da América Latina, com 78 mil 912 habitantes.

No entanto , muitos acham que os dados do Censo são incorretos. Para a “União Pró-Melhoramentos dos Moradores da Rocinha (URMMR)”, por exemplo, a localidade tem mais de 200 mil habitantes. A mesma opinião é compartilhada nas outras favelas. Os líderes comunitários dessas localidades estimam que a população real onde moram é muito maior do que a que foi recenseada.

Pesquisa da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) sobre favelas, divulgada no Rio de Janeiro, em setembro de 2012, no seminário internacional: “Identidade, Cultura e Resistência em Comunidades Marginalizadas”, revelou alguns aspectos importantes a respeito da vida nessas comunidades.

Segundo a UNESCO, quase 70% dos jovens entre 12 e 17 anos, relataram a ausência do pai, mais de 25% relataram a ausência da mãe e cerca de 20%, relataram a ausência do pai e da mãe.

A pesquisa mostrou, igualmente, que o tráfico de drogas é uma marca fundamental na favela. Em quase todas, ele é provedor, legislador e organizador da vida cotidiana. Com seus tentáculos, oferece todo um sistema paralelo de códigos comportamentais e uma rota de sobrevivência econômica, de recrutamento para o crime e de profissionalização fora dele. Em suma, de acordo com a pesquisa, na maioria das áreas de habitações irregulares do país, as facções do tráfico de drogas definem o direito à cidade.

Por fim, convém destacar que, antes do aparecimento das Unidades de Polícias Pacificadoras (UPPs) e das chamadas “Milícias Organizadas”, as diversas facções do tráfico de drogas ditavam totalmente as regras da ordem pública nas favelas. Atualmente, policiais fardados, traficantes e milicianos, se matam no meio das ruas pelo controle do poder nesses espaços urbanos conflagrados.

 

Para o economista Marcelo Nery, Ministro-Chefe interino da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR), um entusiasta do “Programa Brasil Sem Miséria”, entre 2003 e 2011, 40 milhões de brasileiros indigentes e pobres entraram na “classe média”,  beneficiados, basicamente, pela transferência de renda que ele diz ter acontecido no período e por uma melhor inserção no mercado de trabalho.

Dessa forma, sem fome, sem miséria, sem pobreza e com os habitantes ganhando um “bom salário”, o que estaria faltando, então, aos “Aglomerados Subnormais” e às gigantescas periferias  do País para virarem uma Bélgica? Tenho certeza que esse é o tipo de pergunta que o economista Marcelo Nery poderia responder!

 

MAERLE FERREIRA LIMA

03 de dezembro de 2013