A China, que não é mais um país do “ futuro “ e sim, do presente, acumula problemas internos desafiadores, mas avança rápido na chamada quarta revolução industrial  neste final de segunda década do século XXI.

A cada ano, a China investe somas importantes em tecnologias de ponta, em ganhos de produtividade, em pesquisas espaciais avançadas, em tecnologia nuclear, em física, em matemática, em equipamentos de última geração nas áreas médico-sanitárias, em informática, em inteligência artificial, em nanotecnologia, em robótica, em educação, em investigações científicas nas Universidades e nas empresas, e procura superar suas deficiências em infraestrutura, com execução de obras necessárias em saneamento básico, meio ambiente, contenção da poluição, portos, aeroportos, ferrovias, rodovias, habitações para as camadas mais pobres da população, produção de alimentos, transportes públicos, pontes, viadutos e edifícios ultramodernos.

Ninguém pode negar que o crescimento muito alto da China, verificado sobretudo nos últimos 40 anos, não foi um dos acontecimentos mais surpreendentes do mundo.

O país está cada vez mais envolvido com novos paradigmas, tais como, novas formas de consumo, novas maneiras de relação com produtos que antes eram quase inacessíveis para o consumo, aparecimento de novas criações materiais, e surgimento de novos empregos. Mas, em contrapartida, milhões de chineses já perceberam que nem tudo são flores. O processo de mudança rápida agravou inúmeras situações sociais e ambientais que estavam apenas adormecidas.

É do conhecimento de ambientalistas do mundo inteiro que o desenvolvimento chinês está longe de ser considerado limpo. Entre os maiores vilões estão a degradação do meio ambiente provocada pelo crescimento desordenado da economia e pelo processo intenso de industrialização, o difícil controle do desperdício, as longas estiagens, o avanço da desertificação, a contaminação das águas de uso doméstico e agrícola, e dos mananciais. O próprio Ministério da Saúde do país já declarou que 44% de toda a água destinada ao consumo humano estão contaminadas. Frente a esses efeitos indesejáveis, as autoridades políticas e econômicas da China não procuraram prestar a devida atenção. Relegaram a um segundo plano qualquer ideia de planejamento e de controle e hoje não podem mais ignorá-los.

De acordo com a União Internacional para a Conservação da Natureza ( The World Conservation Union ), os produtos químicos que são introduzidos no ecossistema e do qual não fazem parte, têm afetado diretamente os processos naturais e os organismos nativos, além de gerarem outros impactos dramáticos em termos econômicos e sociais. Segundo essa entidade ambiental, o emprego em larga escala desses elementos causam um prejuízo anual de mais de 15 bilhões de dólares aos cofres do governo, e mais, acarretam perdas de lavouras, contaminação da terra e dos lençóis subterrâneos, perda da biodiversidade, ocorrências de doenças alérgicas e outras.

Xangai, a mais importante metrópole comercial e financeira da China, com mais de 20 milhões de habitantes, sofre nos últimos anos com o aumento da poluição, com o incremento anual anormal de sua população, com a poluição sonora e com os gases tóxicos. Naquela megalópole, não é incomum que os níveis de poluição registrem valores impressionantes de 500 pontos  na escala chinesa, que considera como normal níveis entre 50 e 100 pontos. Vale dizer ainda que, um dos maiores responsáveis por essa péssima qualidade do ar na região é a matriz de geração de energia suja, fornecida em grande parte por termelétricas a carvão. Além disso, devem ser consideradas igualmente as ocorrências de chuvas ácidas, provocadas pela presença de dióxido de enxofre no ar.

Além desses impactos sobre a natureza, outra agressão constante ao meio ambiente é causada pelo uso indiscriminado de fertilizantes nitrogenados. Desde 1990, a China tornou-se o maior consumidor mundial desse agrotóxico que ajuda a acelerar o crescimento de plantas mas, ao mesmo tempo, envenena o solo e pode comprometer a lavoura. Vez por outra, os resultados são altamente prejudiciais, tais como, a título de exemplo, a “ explosão de melancias “ que aconteceu há poucos anos em vastas plantações da fruta no leste da China.

A agricultura chinesa, que precisa alimentar todos os dias um gigantesco mercado interno de 1 bilhão e cerca de 400 milhões de pessoas, quase 7 vezes mais do que toda a população do Brasil, impressiona pelo ritmo de crescimento, pelas metas a serem atingidas e pelas necessidades cada vez maiores. Mas, a forma do seu desempenho tem permitido o aparecimento de sucessivos escândalos com produtos alimentares devido às práticas agrícolas que são adotadas.

De qualquer forma, a China decidiu “pagar para ver depois”  quais seriam os efeitos adversos que iriam aparecer na passagem de uma sociedade agrícola, tradicional, pobre, analfabeta, atrasada e de baixo consumo, para uma sociedade dinâmica, moderna, mais esclarecida, mais qualificada, de prática capitalista clara, mas sob controle absoluto do Estado, com crescimento  acelerado da economia, com industrialização cada vez mais diversificada, com presença agressiva no mercado internacional e com vistas a se tornar um protagonista de primeira linha nas decisões políticas, econômicas, comerciais e estratégicas do mundo.

Durante quatro décadas, notadamente a partir de 1978, a China realizou uma incrível transformação política, social, econômica, industrial e espacial, tanto no campo como nos ambientes urbanos. O “ Milagre Econômico Chinês “, e podemos chamar assim, ocupa até hoje o espaço mais importante em todas as mídias mundiais. Até visitantes que chegam à China e voltam pouco tempo depois costumam dizer que ficam surpresos com as reviravoltas que aconteceram no curto período em que se ausentaram. Dizem que não conhecem mais as ruas por onde passaram, não encontram mais as casas que existiam em determinado lugar e ficam impressionados com as novas avenidas, ciclovias, túneis, estações de metrô, praças, parques e prédios altíssimos que surgiram no lugar onde só existiam ruas estreitas e habitações acanhadas.

Se os Estados Unidos se transformaram em um “ império “ a partir de 1945, quando terminou a Segunda Guerra Mundial e aquele país assumiu de fato a posição de maior potência econômica, política, militar e tecnológica do mundo Ocidental, dividindo com a então União Soviética o controle geopolítico e estratégico do mundo, a China só começou a despertar realmente no cenário internacional a partir de meados dos anos 1950.

A exemplo dos Estados Unidos, da então União Soviética, do Reino Unido e da França, a China conseguiu detonar sua primeira bomba atômica em 16 de outubro de 1964, no polígono de testes de Lop Nor, e se tornou a quinta potência nuclear na época. Mas, o gigantesco salto de modernidade e de desenvolvimento econômico intenso e sustentável, com taxa média de crescimento real do Produto Interno Bruto de 9,7% ao ano, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), só aconteceu mesmo alguns anos depois, a partir do final  da década de 1970. Dessa forma, entre 1978 e 2007, durante quase trinta anos ininterruptos, o PIB chinês cresceu a uma taxa média de 9,7% ao ano em termos reais, sem comparação em todo o mundo. (ver a tabela abaixo).

 

 

Apesar da desaceleração econômica sinalizada a partir de 2010 pelas autoridades políticas e econômicas da China, o país já conquistou o seu lugar como a maior potência da Ásia e a segunda maior do mundo em termos de poder econômico, atrás apenas dos Estados Unidos.

No que se refere ao poderio militar, a China ainda segue atrás da Rússia. No entanto, neste momento, a economia da China já é quase 10 vezes maior do que a economia da Rússia. Na opinião de muitos analistas, dentro de pouco mais de 10 anos, por volta de 2030, a China poderá assumir o lugar de primeira economia global, à frente da atual maior potência mundial, os Estados Unidos.

Mas, essa posição de liderança econômica não deverá acontecer de maneira tão simples, apenas respaldada por um forte crescimento anual da economia chinesa.

Para se contrapor a essa ameaça que já é real, os Estados Unidos reagem com guerra comercial aberta contra a China para retardar sua ascensão,  e não medirão esforços para impedir que a hegemonia econômica do gigante asiático se concretize e se torne um grande incômodo ao seu poder em todo o mundo.

Dessa forma, uma grande disputa tecnológica e comercial entre as duas nações já está em curso nesta chamada quarta revolução industrial. Um dos maiores embates envolve o domínio global da tecnologia 5 g,  que apenas os dois países detêm o controle absoluto.  Não há dúvida de que o século XXI tem dois atores principais, Estados Unidos e China.

Embora o crescimento da economia chinesa não seja mais uma novidade tão grande no mundo, seu desenvolvimento rápido no campo tecnológico é o que realmente chama mais atenção. Até bem pouco, os produtos produzidos por lá eram grosseiros e vistos com preconceito, até mesmo no Brasil. Porém, de alguns anos para cá, a qualidade mudou para bem melhor e a produtividade de várias empresas chinesas já supera a que é alcançada em diversos países considerados desenvolvidos.

A título de informação, a China tem mais de 100 cidades com mais de 1 milhão de habitantes onde foram construídas, se desenvolveram e se modernizaram, em tempo muito curto, empresas que operam com tecnologias digitais e de gestão de última geração. Vale destacar unidades produtivas que se situam nas cercanias do maior rio da China, o Yangtze.

Os destaques ficam com Xangai, Suzhou, Hangzhou, Wuxi, Nantong, Ningbo, Nanjing e Changzhou. Esta última, uma das mais pujantes. Seu peso econômico responde por um PIB de 2 trilhões e 600 bilhões de dólares, valor superior ao PIB da Itália, que ocupa a posição de 8ª economia do mundo em 2018, e do PIB do Brasil, que ocupava a 9ª posição no mesmo ano.

A seguir mostramos duas tabelas onde aparecem as 15 maiores economias do mundo em 2016, numa estimativa do FMI e do World Economic Outlook Database, com atualização feita em abril de 2017.

 

Convém explicar de maneira resumida o que significa Produto Interno Bruto (PIB) por Paridade de Poder de Compra (PPC). A PPC é uma interpretação econômica que mede e compara as moedas de diferentes países em termos de poder de compra. O cálculo da PPC leva em consideração um mesmo conjunto de produtos e serviços e a quantidade de moeda necessária para adquiri-los em um ou mais países.

 

Quando se olha na tabela acima o PIB dos Estados Unidos e da China a preços de mercado de 2016, ou seja, sem qualquer ajustamento, os EUA, com um PIB estimado de 18 trilhões 569 bilhões e 10 milhões de dólares apareciam como a maior economia do mundo e a China ficava em segundo lugar com 11 trilhões 218 bilhões e 28 milhões de dólares. No entanto, como disse anteriormente, segundo várias previsões, por volta de 2030, a China poderá ultrapassar os EUA e assumir  o primeiro lugar como primeira economia mundial.

Devemos sublinhar ainda que os analistas econômicos se baseiam no ritmo do crescimento anual das duas economias para admitir essa possibilidade. Assim,  entre 1978 e 2007, por exemplo, o PIB da China cresceu anualmente de forma espetacular e de 2007 a 2016 as taxas continuaram expressivas, bem superiores às registradas pela economia americana. Pode-se dizer igualmente que essa diferença entre taxas de crescimento altíssimas da China e taxas moderadas dos EUA fazem com que o tamanho da economia chinesa se aproxime cada vez mais do tamanho da economia americana. Vale acrescentar que, apesar da desaceleração  econômica da China que já dura praticamente oito anos, mesmo assim, o PIB da China deverá crescer cerca de 6,6% em 2018 e o dos Estados Unidos, segundo o próprio Departamento de Comércio daquele país, não deverá ultrapassar os 2,9%.

Diferentemente do Brasil, que é um país estagnado há alguns anos, com mais de 208 milhões de habitantes, que tem demonstrado incapacidade para resolver seus problemas econômicos e sociais mais primários, como saneamento básico, atendimento de saúde digno e educação de qualidade, por exemplo, que enfrenta um enorme desafio para combater os níveis alarmantes de corrupção que já são considerados como crônicos, que não consegue se impor com firmeza frente à impunidade que protege criminosos do “ colarinho branco “, que apresenta resultados insatisfatórios para conter a onda crescente de violência e de assassinatos que se verifica todos os dias, a China, com cerca de 1 bilhão e 400 milhões de habitantes, tem um projeto de nação e cresce economicamente, sem parar, a uma média de pouco mais de 7% ao ano desde o início do processo de desaceleração econômica segundo avaliação do FMI.

Sobre a biblioteca que vemos na imagem, sua construção é mais do que suficiente para termos uma ideia do que é a China hoje, apesar dos enormes males sociais e ambientais causados pelo desenvolvimento acelerado, sem planejamento.  Mas, o que distingue a China de hoje de todos os outros países que são chamados de “ emergentes “, é que a China tem determinação política para pavimentar a estrada do seu futuro, se preocupa em ser ultramoderna, competitiva e em ser a primeira em tudo neste século.

Causa realmente forte impressão a qualquer visitante, a imensidão de livros em um só lugar. É possível que seja um sinal de que milhões de chineses se interessam pela leitura, têm educação de boa qualidade e conseguem transmitir para os outros o que leem.

Assim, para os que amam os livros, os estudos, as pesquisas, a ciência, a história, as obras dos grandes escritores, a arquitetura futurista, o vanguardismo, e têm as mentes voltadas para a inovação, a biblioteca conhecida como o “ Olho de Binhai “, localizada no distrito cultural do mesmo nome, no Município de Tianjin, é realmente um dos maiores centros de leitura do mundo e, sem dúvida, um símbolo de prestígio para aquele país. Ela foi inaugurada em 2017, tem cinco andares, ocupa uma área de 34 mil e 200 metros quadrados, tem capacidade para receber 1 milhão e 200 mil livros e conta com um acervo para consulta de 200 mil documentos.

O projeto foi concebido e executado pela empresa de design holandesa MVRDV, e foi concluído em apenas três anos com quase nenhuma falha no decorrer da construção.

Nesse enorme templo arquitetônico futurista, de cores brancas, quase todo de vidro, alumínio e poucas paredes de alvenaria em sua estrutura, as estantes onde ficam os livros parecem infinitas. Todas têm formas onduladas e são dispostas do chão ao teto pelos 5 andares desse ambiente clean que já é chamado de “ mar do conhecimento “. Todos os finais de semana, mais de 20 mil pessoas percorrem seus amplos espaços.

No térreo, chama a atenção dos visitantes seu impactante auditório translúcido em forma de uma grande esfera branca que parece um olho, e por isso a biblioteca é chamada, o “ Olho de Binhai “. Ao lado do auditório existem diversas salas onde os interessados podem escolher  os livros de suas preferências e ler. No primeiro e segundo andar encontramos as salas de estudos. No terceiro e quarto andar ficam as salas de reuniões e, finalmente, no subsolo, as salas de áudio, as áreas técnicas, mais salas empilhadas de livros e os arquivos de obras que podem ser consultadas a vontade pelo público.

Certamente, em meio a todo esse gigantesco salto de transformação e crescimento da economia, sabemos que a China está longe de ser um país democrático.  Seus dirigentes ainda se dizem comunistas, mas adotaram um regime econômico capitalista, o que significa inegavelmente uma grande contradição. Por outro lado, de acordo com a Resolução do 14º Congresso do Partido Comunista Chinês, realizado em 1992, o plenário aprovou que a China passava a ser reconhecida como uma  “ economia socialista de mercado “.

O Partido Comunista Chinês (PCC) continua como o único existente na vida política, sua cúpula detém o poder absoluto, os meios digitais são totalmente vigiados e qualquer  opinião contrária ao regime é punida com severidade.

No mundo do trabalho, os salários são fixados pelos níveis mais baixos, a ponto de um trabalhador chinês receber uma remuneração mensal que se situa entre a pior do mundo, e não existem leis trabalhistas que amparem os trabalhadores.

Penso que o regime político chinês pode ser definido como uma mistura estranha de capitalismo agressivo sob a guarda atenta de um Estado repressor forte, de partido único e de inspiração interna, ainda socialista. No entanto, acho que nesse ponto caberia uma questão que deveria ser considerada por todos os que acompanham a “ grande marcha “ da China para se transformar brevemente em uma das nações mais poderosas do mundo: Até quando a aparente “ estabilidade social “ hoje existente na China e mantida pela força de um Estado repressivo terá condições de evitar o surgimento de movimentos contestadores em uma nação de quase 1 bilhão e 400 milhões de pessoas ? Ainda não há resposta, mas  a China é respaldada pela força do seu aparato policial-militar e caminha a passos largos para se tornar, daqui a pouco, a primeira economia do mundo.

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Brasília, novembro de 2018

MAERLE FERREIRA LIMA

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DOCUMENTOS CONSULTADOS PARA A PREPARAÇÃO DESTE TEXTO

Huijiong, Wang : A Economia Mundial em Transformação, 1ª Edição, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas

Hinton, Harold C : A China Comunista na Política Mundial, Rio de Janeiro, O Cruzeiro, 1967

Medeiros, Carlos A : China entre os Séculos XX e XXI, in José Luis Fiori, “ Estado e Moedas no Desenvolvimento das Nações “, Rio de Janeiro, Vozes, 1999

Suleiman, Amanda Battaglini : O Desenvolvimento Econômico Chinês Pós 1949, São Paulo, FAAP, 2008, 45 páginas, Monografia apresentada no Curso de Graduação em Ciências Econômicas da Faculdade de Economia da Fundação Armando Alvares Penteado

Kissinger, Henry : Sobre a China, Objetiva, tradução de Cássio de Arantes Leite, Rio de Janeiro, 2011

Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), Fundação Alexandre Gusmão – FUNAG : As 15 Maiores Economias do Mundo

Medeiros, Carlos Aguiar : Nota sobre o Desenvolvimento Econômico da China – Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo ( IEA-USP)

Rev. Econ. Polit. ( Brazilian Journal of Political Economy), vol. 30, nº 2, São Paulo, abril/junho 2010

Marcelo José Braga Nonnenberg – China : Estabilidade e Crescimento Econômico