BRASIL ENSANGUENTADO
POR MAERLE FERREIRALIMA
“Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não transformar a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”
PAULO FREIRE
No dia 12 de novembro de 2013, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), lançou, na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, o Relatório: “Desenvolvimento Humano Regional 2013-2014 – Segurança Cidadã com Rosto Humano: Diagnóstico e Propostas para a América Latina”, recomendando políticas públicas mais eficientes em todo o continente, com vistas a melhorar a qualidade de vida e diminuir os índices alarmantes de criminalidade e violência.
De acordo com o documento, a insegurança é citada como um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento econômico e social da área e um desafio que precisa ser encarado por todos os países da América Latina. Na avaliação da ONU, a região continua a ser a mais desigual e a mais violenta do mundo. Os dados mostrados indicam mais de 100 mil assassinatos a cada ano. Entre 2000 e 2010, foram registrados mais de 1 milhão de homicídios, um genocídio de proporções assustadoras.
Em 11 dos 18 países analisados pelo Relatório, a ocorrência de homicídios era superior a 10 para cada 100 mil habitantes, número considerado epidêmico pelos especialistas que formularam o estudo. Além disso, em todos os países da região, a segurança estava deteriorada e a quantidade de roubos havia triplicado entre 1985 e 2010.
O Relatório foi elaborado a partir de seis pontos que, segundo a ONU, impactam negativamente os países latino-americanos: criminalidade de rua; violência e criminalidade exercida contra e pelos jovens; violência de gênero; corrupção; violência por agentes do Estado; e o crime organizado. Segundo o documento, os atos de violência respondem, pelo menos, por três dimensões do desenvolvimento: a pessoa, a convivência social e as instituições democráticas.
Em todo o continente, os jovens, especialmente os homens, são os principais responsáveis pelos atos de violência, pelos crimes e pelos homicídios. O Brasil aparece vergonhosamente no Relatório como um dos países mais violentos da América Latina.
A base de dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), referente a 2011, revela essa trágica escalada da banalização da vida do jovem. O primeiro lugar ficou com El Salvador, com 92,3 homicídios de jovens para cada 100 mil habitantes. Em seguida vieram: Honduras, 86,5; Colômbia, 73,4; Venezuela, 64,2; Guatemala, 55,4 e Brasil, 51,6 assassinatos de jovens para cada 100 mil habitantes.
Há cerca de 60 anos, as principais causas de morte da juventude brasileira eram as epidemias e as doenças infecciosas. Porém, com as transformações econômicas e sociais em curso e com o processo acelerado de urbanização do país, a curva se inverteu e as principais causas de morte da juventude brasileira passaram a ser as chamadas “causas externas”, notadamente, os homicídios e os acidentes de trânsito.
Em 2011, por exemplo, dos 46 mil 920 óbitos juvenis, registrados nos arquivos do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde (MS), 34 mil 336 aconteceram por causas externas. Dessa forma, 73,2% dos jovens brasileiros encontraram a morte vitimados por essas causas.
Inegavelmente, a mortalidade violenta no Brasil impressiona e coloca o país, como já vimos, numa posição humilhante perante todas as nações civilizadas do mundo. Infelizmente, não podemos apagar o passado. Tampouco, podemos esconder a existência de milhões de sepulturas que receberam os corpos dos que tiveram suas vidas bruscamente interrompidas pela violência.
De acordo com o “Mapa da Violência 2013: “Homicídios e Juventude no Brasil”, organizado pelo sociólogo, Julio Jacobo Waiselfisz e patrocinado pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (CEBELA) e pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), entre 1980 e 2011, aconteceram no Brasil, 1 milhão 145 mil 908 homicídios; 995 mil 284 mortes por acidentes de trânsito e 205 mil 890 suicídios. As três causas somadas, dão um total de 2 milhões 347 mil e 82 pessoas, a maioria jovens, que tiveram suas vidas interrompidas pela escalada da violência. Todavia, é importante ressaltar que os dados são apenas aproximados. Dessa forma, os números dessa tragédia humana, certamente, são bem maiores.
Os dados do SIM e do Sistema de Vigilância em Saúde (SVS) citados no estudo, mostram que, entre 1980 e 2011, enquanto a taxa de mortalidade geral do país caiu 3,5%, as mortes por causas externas aumentaram 28,5%. Nesse comparativo, merecem relevância, como mostra o autor, os homicídios, que cresceram 132,1%; os suicídios, com elevação de 56,4% e os óbitos por acidente de transporte, que aumentaram 35,3%.
Em 1980, segundo a mesma fonte, 20 mil 365 pessoas morreram de acidentes de transporte em nosso país. Os homicídios vitimaram 13 mil 910 e os suicídios, 3 mil 896. A partir de 1990, os homicídios se tornaram a principal causa de morte entre as três citadas e não perdeu mais a posição. Em 2011, os homicídios ceifaram a vida de 52 mil 198 pessoas; os acidentes de transporte mataram 44 mil 553 e os suicídios levaram a vida de 9 mil 852 indivíduos. Entre 1980 e 2011, os homicídios tiveram um crescimento de 275,3%; os suicídios, 152,9%; e os acidentes de transporte, 118,8%.
De acordo com o Mapa que está sendo analisado neste trabalho, entre os jovens, apenas 26,8% dos óbitos são atribuídos a causas naturais. Entre os não jovens, o percentual é de 90,1%. Apenas 9,9% dos não jovens morrem de causas violentas. Entre os jovens, as causas violentas são responsáveis por 73,2% das mortes. Por outro lado, se na população não jovem, apenas 3,0% dos óbitos são causados por homicídio, entre os jovens, essa causa é responsável por 39,3%. Em alguns Estados que são citados no Relatório, Alagoas, Bahia, Paraíba, Rio Grande do Norte, Espírito Santo e Distrito Federal, mais da metade do total de mortes juvenis são provocadas por homicídio. Em 1980, 4 mil 327 jovens foram assassinados no Brasil. Em 2011, esse número subiu para 18 mil 436 mortes, o que significou no período, um acréscimo de 326,1%.
Os dados sobre a violência contra a pessoa no Brasil são estarrecedores. A divulgação, em 2007, do Relatório: “Peso Mundial da Violência Armada”, sob a responsabilidade do “Geneva Declaration Secretariat“, Genebra, Suíça, 2008, que levantou o total de mortos em 62 conflitos armados no mundo, entre 2004 e 2007, nos ajuda a chegar a essa conclusão.
Nos 62 conflitos analisados, morreram, entre 2004 e 2007, 208 mil 349 pessoas, segundo dados do “Global Burden of Armed Violence“. No Brasil, que não tem guerra civil declarada, movimentos de emancipação, enfrentamentos religiosos, raciais, étnicos, conflitos de fronteira ou atos terroristas, entre 2008 e 2011, os homicídios tiraram a vida de mais de 206 mil pessoas, quase o mesmo número das que foram mortas nos 62 conflitos espalhados pelo mundo.
Por outro lado, de acordo com a mesma fonte, nos 12 maiores conflitos mundiais: Iraque; Sudão; Afeganistão; Colômbia; República Democrática do Congo; Siri Lanka; Índia; Somália; Nepal; Paquistão; Índia/Paquistão na Caxemira e Israel/Territórios Palestinos, morreram, entre 2004 e 2007, um total de 169 mil 574 pessoas, bem menos do que as mais de 206 mil que foram assassinadas no Brasil, entre 2008 e 2011.
O Brasil, com uma taxa de 27,4 homicídios por 100 mil habitantes, em 2010, superava os 12 países mais populosos do mundo. O que mais se aproximava do nosso país era o México, que tinha uma taxa de 22,1 homicídios por 100 mil habitantes. A China e a Índia, ambas com populações superiores a 1 bilhão de habitantes, apresentavam uma taxa de 1,0 e 3,4, respectivamente. Os Estados Unidos, com uma população de mais de 300 milhões de habitantes, tinham uma taxa de 5,3. A menor taxa entre as nações mais populosas foi apresentada pelo Japão, 0,3 homicídios por 100 mil habitantes.
Finalmente, comparando a nossa taxa de homicídio global, 27,4 para cada 100 mil habitantes, ficamos em posição humilhante. O Brasil tem uma taxa 274 vezes maior do que a de Hong Kong; 137 vezes maior do que a do Japão, Inglaterra, País de Gales e Marrocos; e 91 vezes maior do que a do Egito e da Sérvia.
No que se refere ao assassinato de jovens, nós temos uma taxa 547 vezes superior a de Hong Kong; 273 vezes superior às da Inglaterra e Japão e 137 vezes superior às da Alemanha e Áustria. Infelizmente, o Brasil é um país ensanguentado, o sexto maior matadouro de gente do mundo. NÃO TENHO DÚVIDA DE QUE O INFERNO É AQUI!
MAERLE FERREIRA LIMA
06 DE DEZEMBRO DE 2013
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