FREDERICO GARCÍA LORCA
1898-1936
PASSAGEM COM DUAS TUMBAS E UM CÃO ASSÍRIO*
Amigo, levanta para que ouças latir o cão assírio.
As três ninfas do câncer estiveram dançando, filho meu.
Trouxeram umas montanhas de lacre rubro
e uns lençóis duros onde estava o câncer dormido.
O cavalo tinha um olho no pescoço
E a lua estava no céu tão frio
que teve de desgarrar-se seu monte de Vênus
e afogar em sangue e cinza os cemitérios antigos.
Amigo, desperta, que os montes ainda não espiram
e as ervas de meu coração estão em outro lugar.
Não importa que estejas repleto de água do mar.
Eu amei muito tempo um menino
que tinha cem anos dentro de um punhal.
Desperta. Cala. Escuta. Incorpora-te um pouco.
O uivo é uma longa língua arroxeada
de deixa formigas de espanto e licor de lírios.
Já vem até a rocha. Não alongues tuas raízes!
Aproxima-te. Geme. Não soluces em sonhos, amigo.
Amigo!
Levanta para que ouças uivar
o cão assírio.
*Publicado em: “Poeta en Nueva York”
FREDERICO GARCÍA LORCA, poeta e dramaturgo, socialista convicto, partidário da República, declaradamente homossexual, nasceu na região de Granada, na Espanha, em 05 de junho de 1898, e morreu nos arredores de Granada, em 19 de agosto de 1936. Foi fuzilado pelos partidários do General Francisco Franco, no início da Guerra Civil Espanhola.
Em 1934, já era o mais famoso poeta e dramaturgo da Espanha. No auge de sua produção intelectual, foi assassinado, com apenas 38 anos de idade. Sua execução teve repercussão mundial.
Em suas poesias, García Lorca identificou-se com os mouros, judeus, negros e ciganos, alvos de grandes perseguições em seu país.
Escreveu “Bodas de Sangue”, em 1933, que abriu uma nova era no teatro moderno da época. Escreveu “Yerma”, em 1934 e “A Casa de Bernardo e Alba”, em 1936.