O MUNDO SOMBRIO DAS FAVELAS
POR MERLE FERREIRA LIMA
O Brasil não consegue mesmo mudar o seu destino. A partir do final da Segunda Guerra Mundial, passou a ser conhecido como “Subdesenvolvido”. Nos anos 1960, virou “Terceiro Mundo”. Algum tempo depois, “País em Via de Desenvolvimento”. No início do processo de globalização, em 1980, recebeu o nome de “Emergente”.
Nos mais de cinco séculos de história, não tivemos a capacidade de sair do atraso econômico, social, industrial, educacional e científico. Nos habituamos a ele e às várias denominações criadas lá fora. Em suma, até hoje, nossa condição é de país periférico.
Apesar de tudo, o Governo gostou dos eufemismos, resolveu copiar a ideia por aqui e inventou uma nova designação para as moradas insalubres dos pobres e miseráveis. No começo eram chamadas de bairros africanos, cortiços, mocambos, palafitas, barracos, favelas, invasões, grotas, baixadas, assentamentos irregulares, comunidades, vilas, becos, ressacas, etc. A partir de 1991, graças a um “jeitinho sociológico” encontrado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ganharam uma alcunha aparentemente menos preconceituosa: “Aglomerados Subnormais”.
Como se não bastasse tanto cinismo, recentemente, os seus milhões de habitantes carentes, que levam uma vida desgraçada e vegetam espremidos nesses imensos panarícios urbanos, foram finalmente lembrados pelos políticos e pelos técnicos do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA). Passaram a ser classificados como a “nova classe média brasileira”. Com mais esse insulto, mesmo sem saber, os deserdados, cuja maioria tira o sustento da sobra social e do lixo das cidades, subiram na escala social por decreto do Governo.
Pelas contas do IBGE, cerca de 12 milhões de brasileiros sobrevivem nos chamados “Aglomerados Subnormais”. O dado faz parte do estudo produzido por aquela instituição: “Aglomerados Subnormais: Informações Territoriais”, que envolveu todo o Brasil, divulgado no dia 6 de novembro passado.
Nesse vasto submundo carente de tudo, ocupado de maneira caótica por mais de 3 milhões de habitações, todas irregulares e completamente fora de qualquer regra de planejamento urbano, a infraestrutura é extremamente deficiente. O esgoto corre a céu aberto; as ligações elétricas (gatos) são totalmente clandestinas; o barulho nas ruas é ensurdecedor; a sujeira e a falta de higiene são enormes; o tráfico de drogas faz parte da vida cotidiana; as intimidações, as agressões e os tiroteios são acontecimentos corriqueiros e as taxas de homicídios, roubos e estupros são altíssimas.
Apenas 1,6% dos habitantes desses locais possuíam, em 2010, curso superior; 17,8% tinham automóvel; somente 20,2% tinham computador com acesso à internet; 27,8% não tinham carteira de trabalho assinada; 31,6% tinham rendimento domiciliar per capita de até meio-salário mínimo; apenas 0,9% tinham rendimento familiar per capita de mais de cinco salários-mínimos; e 53,9% possuíam apenas telefone celular pré pago.
Nesse estudo, o IBGE mostrou que 11 mil 149 barracos eram fincados em aterros sanitários, lixões e áreas contaminadas; 27 mil 478 se encontravam nas imediações de linhas de alta tensão; 4 mil 198 perto de oleodutos e gasodutos; 618 mil 955 foram erigidos em áreas perigosas, ou seja, em encostas, colinas, serras e outros. Além disso, do total de 3 milhões 224 mil 529 vivendas precárias do país, 72,6%, ou seja, 2 milhões 341 mil não tinham espaçamento entre si. Sem dúvida, tal ocupação anárquica do espaço urbano, além de constituir uma exposição permanente a vários tipos de perigos, tornou praticamente inviável a acessibilidade de máquinas, equipamentos de limpeza urbana e de socorros imediatos, sobretudo, aos locais mais necessitados.
No território nacional, 47,5% dos “Aglomerados Subnormais” estão situados em áreas de risco. São Paulo e Rio de Janeiro concentram o maior número em áreas perigosas, de preservação ambiental e de proteção permanente.
Para o IBGE, em 2010, 77% das habitações informais do Brasil ficavam em Regiões Metropolitanas com mais de 2 milhões de pessoas. Desse percentual, o Instituto mostrou que 59,4% estavam em 5 Regiões Metropolitanas: São Paulo, 18,9%; Rio de Janeiro, 14,9%; Belém, 9,9%; Salvador, 8,2% e Recife, 7,5%. Outros 13,7% acumulavam-se em outras 4 Regiões Metropolitanas: Belo Horizonte, 4,3%; Fortaleza, 3,8%; Grande São Luiz, 2,8% e Manaus, 2,8%. Dessa forma, segundo o IBGE, 73,1% das moradias precárias estavam nessas nove capitais.
O Censo de 2010, identificou, em todo o país, 6 mil 329 “Aglomerados Subnormais”. As Regiões Metropolitanas de Belém, Rio de Janeiro e São Paulo, concentravam a maior proporção de habitantes residentes nesses tipos de habitação em relação ao total da população desses espaços urbanos. Em Belém, 54,5% do total dos habitantes viviam em assentamentos irregulares. No Rio de Janeiro, eram 22%. Em São Paulo, 11%.
Pelos dados do Censo de 2010, o IBGE estabeleceu o ranking das 10 maiores favelas do Brasil: Rocinha, Rio de Janeiro, 69 mil 161 habitantes; Sol Nascente, Distrito Federal, 56 mil 483 habitantes; Rio das Pedras, Rio de Janeiro, 54 mil 793 habitantes; Coroadinho, Maranhão, 53 mil 945 habitantes; Baixadas da Estrada Nova Jurunas, Pará, 53 mil 129 habitantes; Casa Amarela, Pernambuco, 53 mil 030 habitantes; Pirambú, Ceará, 42 mil 878 habitantes; Paraisópolis, São Paulo, 42 mil 826 habitantes; Cidade de Deus, Manaus, Amazonas, 42 mil 476 habitantes; Heliópolis, São Paulo, 41 mil 118 mil habitantes. Hoje, segundo o IBGE, a favela “Sol Nascente” passou a “Rocinha” e virou a maior da América Latina, com 78 mil 912 habitantes.
No entanto , muitos acham que os dados do Censo são incorretos. Para a “União Pró-Melhoramentos dos Moradores da Rocinha (URMMR)”, por exemplo, a localidade tem mais de 200 mil habitantes. A mesma opinião é compartilhada nas outras favelas. Os líderes comunitários dessas localidades estimam que a população real onde moram é muito maior do que a que foi recenseada.
Pesquisa da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) sobre favelas, divulgada no Rio de Janeiro, em setembro de 2012, no seminário internacional: “Identidade, Cultura e Resistência em Comunidades Marginalizadas”, revelou alguns aspectos importantes a respeito da vida nessas comunidades.
Segundo a UNESCO, quase 70% dos jovens entre 12 e 17 anos, relataram a ausência do pai, mais de 25% relataram a ausência da mãe e cerca de 20%, relataram a ausência do pai e da mãe.
A pesquisa mostrou, igualmente, que o tráfico de drogas é uma marca fundamental na favela. Em quase todas, ele é provedor, legislador e organizador da vida cotidiana. Com seus tentáculos, oferece todo um sistema paralelo de códigos comportamentais e uma rota de sobrevivência econômica, de recrutamento para o crime e de profissionalização fora dele. Em suma, de acordo com a pesquisa, na maioria das áreas de habitações irregulares do país, as facções do tráfico de drogas definem o direito à cidade.
Por fim, convém destacar que, antes do aparecimento das Unidades de Polícias Pacificadoras (UPPs) e das chamadas “Milícias Organizadas”, as diversas facções do tráfico de drogas ditavam totalmente as regras da ordem pública nas favelas. Atualmente, policiais fardados, traficantes e milicianos, se matam no meio das ruas pelo controle do poder nesses espaços urbanos conflagrados.
Para o economista Marcelo Nery, Ministro-Chefe interino da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR), um entusiasta do “Programa Brasil Sem Miséria”, entre 2003 e 2011, 40 milhões de brasileiros indigentes e pobres entraram na “classe média”, beneficiados, basicamente, pela transferência de renda que ele diz ter acontecido no período e por uma melhor inserção no mercado de trabalho.
Dessa forma, sem fome, sem miséria, sem pobreza e com os habitantes ganhando um “bom salário”, o que estaria faltando, então, aos “Aglomerados Subnormais” e às gigantescas periferias do País para virarem uma Bélgica? Tenho certeza que esse é o tipo de pergunta que o economista Marcelo Nery poderia responder!
MAERLE FERREIRA LIMA
03 de dezembro de 2013
Deixe um comentário